Quem quiser entender uma peregrinação tem de saber «espreitar os mundos que há no mundo, as mil humanidades que há dentro de cada um de nós.» Mia Couto, poeta moçambicano
Nos arredores de uma pequena povoação, há mais de 2000 anos, Deus escolheu um estábulo simples, pequeno, velho e frio, para que o seu Filho Jesus nascesse. Sem o público, as palmas, a festa, as luzes e a música a que estamos habituados ou suporíamos acontecer. Deus escolheu a simplicidade para o momento em que Jesus se tornou um entre nós. Podemos, assim, procurá-lo porque primeiro Ele peregrinou até nós.
Com este nascimento grandes mudanças iriam acontecer: os seres humanos ganharam a oportunidade de recriar a sua humanidade, de a transformar, mas iniciando essa mudança no seu interior, no seu coração.
Deus, através do Menino Jesus, assumiu-se como um Peregrino, que veio ao nosso encontro e caminha connosco, mantendo viva a nossa fé e ajudando-nos nessa transformação.
Sim, porque um novo mundo exige coragem, alegria e vontade, mas também disponibilidade para a mudança e para aceitar Jesus em nós.
Assim, com o dom da vida de Jesus dado à humanidade, é-nos também oferecida uma nova vida, onde podemos ter a certeza de que nunca estamos sós, se tivermos o espírito livre e aberto para podermos ser alcançados pela presença deste Deus Peregrino.
Este Deus Peregrino que vem ao nosso encontro e que sempre nos acompanha não é anunciado por trompetas, guarda-costas, anúncios, slogans, publicidade. Ela é uma presença sempre indelével, invisível, mas atenta e carinhosa, que nós não vemos, mas (pres)sentimos.
Às vezes, manifesta-se através de um simples girassol amarelo, um por de sol de tirar o fôlego, uma estrela mais brilhante, o vento calmo que nos envolve, o abraço de um amigo, uma mão estendida para nos ajudar a levantar. Às vezes, Ele chuta as pedras que se atravessam no nosso caminho, outras vezes deixa-as no sítio para que encontremos a força e a fé para ultrapassarmos os desafios da vida; Ele pousa a sua mão no nosso ombro, sussurra-nos na alma palavras de amor e esperança, ajuda-nos a optar pelo bem e a colocarmos a nossa vida ao serviço dos outros; ensina-nos a escolher o sorriso, mesmo que este sobreviva por trás de lágrimas e dor, penetra nas grutas mais escuras da nossa vida e acende nelas estrelas; vem ao nosso encontro nos caminhos íngremes e oferece-nos um cajado para caminharmos e acende, dentro de nós, chamas para que o enorme fulgor divino vença a nossa fragilidade humana. Desta forma, este Deus Peregrino faz jus às palavras de seu Filho, quando este diz “Eu sou o caminho, a verdade e a vida”.
A (in)visibilidade que o Deus Peregrino escolheu é a prova de que não se quer impor.
Ele é apenas a mão que nunca larga a nossa e que tantas e tantas vezes nos tem de transportar nos seus braços para que o peso terreno não nos sufoque. Vemos e podemos perceber a sua presença, desde que a nossa fé e o nosso amor sejam maiores do que a nossa solidão. O verdadeiro lugar de peregrinação de Deus, é o ser humano, o seu coração, onde Ele irrompe como um firme apoio, uma fonte de água fresca, um muro para descansarmos da viagem da vida, lugar de repouso e reencontro. Assim, vamos aprendendo a querer este companheiro de viagem durante toda a viagem, porque ele nos conhece profundamente. Com ele aprendemos também a reconhecer e aceitar os outros como irmãos na mesma fragilidade, e que, tal como nós, procuram e caminham na fé. Como pessoas em construção que somos, abrimos as portas ao Deus Peregrino, deixamo-Lo acomodar-se dentro de nós, permitimos-Lhe abraçar as nossas fragilidades, mostramos-Lhe o barro de que somos feitos, e aceitamos que nos “retoque” o espírito, reconhecendo o seu valor como o grande construtor da vida. E que grande mistério este é!
É este Deus Peregrino que caminha connosco pelo mundo, que torna possível que estabeleçamos com o seu Filho, nascido há mais de 2000 anos naquele presépio de Belém, uma relação constante, mais pessoal e personalizada, e que o tempo não desgasta nem destrói, se assim fizermos tal experiência crente.
É este Deus Peregrino que nos ajuda a lembrar, todos os anos, o nascimento daquele Menino como a continuação de uma caminhada já iniciada há tanto tempo, mas que agora assenta no Verbo feito Carne, na humanização do divino e, ao mesmo tempo, nos ensina a estarmos vigilantes e atentos às muitas chegadas de Jesus ao hoje das nossas vidas.
Assim, pois, não basta Jesus nascer. É preciso recebê-lo todos os dias e acertar o nosso passo pelo passo de Deus, para que, com Ele, saibamos ser Peregrinos toda a vida, caminhantes que levam a boa nova, que espalham a notícia e que correm em cada Natal para o presépio.
É em Jesus Cristo que a humanidade e Deus mais profundamente se encontram.
E quando esse encontro acontece, que caminho fantástico fica aberto para a humanidade!
No fim de contas, é no tempo de peregrinação que fazemos a experiência da vida. É no tempo que somos atores e escritores, santos e pecadores, cantores e peregrinos. É no tempo que se geme, se grita e se sorri. É no tempo que somos o que fazemos e fazemos o que somos. É no tempo que se faz festas a Deus e aos homens. «Deus não dá ‘show’. Ele atua no silêncio e na humildade. Esta é a sua forma de atuar na história.» (Papa Francisco)
Nuno Veiga
Professor