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OS IRMÃOS QUE SOMOS

A Comunidade de Taizé foi fundada em 1940 pelo irmão Roger com o desejo de ser uma “parábola de comunhão”.

No início da Segunda Guerra Mundial, o irmão Roger reflectia sobre o que poderia fazer para não ficar indiferente à violência e à divisão que devastavam a Europa. Acreditando num Deus que é fonte de paz, teve a intuição de que os cristãos se podiam empenhar activamente na abertura de caminhos de reconciliação. Movido por esta convicção, sonhou com uma comunidade onde homens de diferentes origens culturais e de diferentes confissões cristãs vivessem juntos como irmãos. Esta vida partilhada, de simplicidade e oração, fiel ao Evangelho, procuraria ser um sinal concreto de que a paz e a unidade são possíveis. Desde então, Taizé tornou-se um lugar onde a busca pela paz interior e entre os povos é vivida dia a dia, no acolhimento fraterno, na oração e na partilha entre milhares de jovens vindos do mundo inteiro.

A experiência de fraternidade que se vive em Taizé alimenta-se na mensagem bíblica.

A fraternidade é um tema central em toda a Bíblia, reflectindo a essência das relações humanas desejadas por Deus. Desde os primeiros relatos do Antigo Testamento até às exortações do Novo Testamento, a Bíblia sublinha a importância de viver a fraternidade, não apenas dentro da família, mas como uma referência para as interacções entre as pessoas, independentemente da sua origem. Este princípio é continuamente reafirmado como expressão concreta do amor de Deus pela humanidade e do seu desejo de reconciliação e paz entre os povos.

No Antigo Testamento, a fraternidade é frequentemente retratada através de histórias familiares que ilustram os desafios e as potencialidades das relações entre irmãos. Um exemplo emblemático é a história de Caim e Abel, que mostra como a inveja e o ressentimento podem corromper a relação entre irmãos, levando a consequências trágicas. É através deste relato que Deus revela a responsabilidade que cada ser humano tem pelo seu irmão: "Onde está o teu irmão Abel?", pergunta Deus a Caim (Génesis 4,9).

Outra passagem significativa é a de José com seus irmãos (Génesis 37-50). Inicialmente marcada pela inveja e pela traição, a história evolui para o perdão e a reconciliação. José, vendido como escravo pelos seus próprios irmãos, acaba por perdoar-lhes e salvá-los da fome. Esta história revela o poder do amor fraterno, capaz de curar feridas profundas e de restabelecer a unidade.

Para além do âmbito familiar, o Antigo Testamento inscreve também a fraternidade na vida comunitária e social: "Amarás o teu próximo como a ti mesmo" (Levítico 19,18). As leis de Moisés instituem normas que protegem os mais vulneráveis – o estrangeiro, o órfão, a viúva – convidando o povo a agir com misericórdia e justiça, visando construir uma sociedade baseada na solidariedade e no respeito mútuo.

No Novo Testamento, Jesus aprofunda e amplia o conceito de fraternidade, ensinando que todos são irmãos e irmãs, filhos de um mesmo Pai: "Vós sois todos irmãos. E, na terra, a ninguém chameis 'Pai', porque um só é o vosso 'Pai': aquele que está no Céu.” (Mateus 23,8-9).

A parábola do Bom Samaritano (Lucas 10,25-37) é, talvez, a expressão mais clara deste alargamento da fraternidade. Ao colocar um estrangeiro, marginalizado pela sociedade judaica, como exemplo de verdadeiro amor ao próximo, Jesus rompe barreiras étnicas, religiosas e sociais, ensinando que a fraternidade se concretiza na compaixão activa e no cuidar gratuitamente do outro.

A comunidade cristã descrita nos Actos dos Apóstolos esforça-se por viver esta fraternidade de forma concreta. "Todos viviam unidos e possuíam tudo em comum" (Actos 2,44). A partilha de bens, a oração comunitária e o espírito de comunhão constituem um testemunho vivo da presença de Cristo no meio deles.

A fraternidade é pois, na perspectiva bíblica, um caminho para a paz.

O reconhecimento do outro como irmão ou irmã implica necessariamente a superação do conflito, da exclusão e da indiferença. A Carta aos Hebreus afirma que Jesus "não se envergonha de lhes chamar irmãos" (Hebreus 2,11), mostrando que o próprio Deus assume a condição humana para estabelecer uma nova aliança de reconciliação. A hospitalidade é, neste contexto, uma expressão privilegiada da fraternidade. "Não vos esqueçais da hospitalidade, pois, graças a ela, alguns, sem o saberem, hospedaram anjos" (Hebreus 13,2).

Apesar do ideal bíblico de fraternidade, a realidade humana é marcada por desafios. Conflitos, preconceitos e divisões ameaçam frequentemente a harmonia comunitária. A fé cristã oferece esperança na possibilidade de transformação. O apóstolo João escreve: "Nós sabemos que passamos da morte para a vida, porque amamos os irmãos" (1 João 3,14), indicando que o amor fraterno é evidência de uma nova vida em Cristo. A prática da fraternidade exige esforço contínuo e disposição para ouvir e compreender o outro. Essa atitude de escuta e acolhimento é fundamental para a construção de relações autênticas e pacíficas.

A Bíblia, ao longo de toda a sua narrativa, convida a humanidade a redescobrir-se como família humana.

A fraternidade que propõe não é uma utopia abstracta, mas um caminho exigente e concreto, feito de gestos de reconciliação, partilha, escuta e compaixão. Esta fraternidade nasce do olhar de Deus sobre cada pessoa, reconhecendo nela um irmão ou uma irmã a quem se deve respeito, amor e cuidado.

Os milhares de jovens que todos os anos participam nos encontros em Taizé fazem uma experiência concreta desta fraternidade onde a diversidade não é obstáculo, mas fonte de enriquecimento. Eles são convidados a regressar às suas vidas quotidianas como testemunhas de paz, mesmo no meio das complexidades do mundo contemporâneo. A fraternidade, quando vivida com autenticidade, transforma corações, comunidades e sociedades. É uma resposta ao desejo de Deus de ver os seus filhos unidos, caminhando juntos rumo a uma vida mais plena.

Irmão David
Comunidade de Taizé