Quando falamos de Direitos Humanos, estamos a falar de algo essencial: as garantias que permitem a cada pessoa viver com liberdade, justiça e paz.
Mas há uma dimensão que passa muitas vezes despercebida. Para a tradição cristã, estes direitos têm raízes muito mais profundas - nascem da convicção de que cada ser humano reflete a imagem de Deus.
Esta visão dá aos direitos humanos algo mais, imprimindo-lhes uma dimensão espiritual e moral que atravessa culturas e épocas. Em 1849, o Padre Jean Gailhac e Mére Saint Jean fundaram o Instituto das Religiosas do Sagrado Coração de Maria. O que fizeram mostra como a fé cristã se pode transformar em ações concretas a favor da dignidade humana.
Movidos pelo Evangelho e por um profundo sentido de serviço, dedicaram as suas vidas a causas urgentes: justiça, educação, cuidado dos mais frágeis. Sem saberem, estavam a viver princípios que só décadas depois seriam formalizados como direitos humanos universais.
Dignidade humana, um fundamento do ser cristão
Quem segue Cristo não escolhe defender a dignidade humana - simplesmente faz parte integrante do ser cristão.
Na tradição cristã, esta dignidade vai muito além de conceitos filosóficos ou jurídicos.
É uma verdade profunda: cada pessoa é criada por Deus, amada sem condições e chamada a viver em comunhão com todos.
É daqui que vem o mandamento do amor — "Amarás ao Senhor teu Deus e ao teu próximo como a ti mesmo" — que orienta toda a ética cristã.
Os direitos humanos, nesta perspetiva, tornam-se expressões práticas deste amor: respeito pela vida, pela liberdade, pela justiça, pela solidariedade e pelo serviço.
O Padre Jean Gailhac percebeu isto ao olhar para a sociedade à sua volta. Via dignidade onde outros viam apenas problemas - especialmente nas mulheres mais vulneráveis e esquecidas. Foi essa visão que o levou a criar um abrigo para mulheres em risco, a primeira semente do que viria a ser o Instituto.
Para ele, não havia grande teoria: cuidar dos pobres, dos doentes, dos excluídos era simplesmente viver aquilo que o Evangelho ensina. Era devolver dignidade a quem a sociedade tinha posto de lado.
A missão do IRSCM como expressão dos direitos humanos
O Instituto das Religiosas do Sagrado Coração de Maria nasceu com um propósito bem definido: "Conhecer e amar a Deus, tornar Deus conhecido e amado, e proclamar que Jesus Cristo veio para que todos tenham vida."
Este compromisso, inspirado em Cristo, concretiza-se através de um trabalho educativo, pastoral e social que abraça várias dimensões dos direitos humanos.
A educação sempre foi um dos pilares do IRSCM. As Irmãs do Sagrado Coração de Maria, reconhecendo a educação como um direito fundamental, seguem os passos dos fundadores e dedicam-se à formação integral de cada pessoa.
Não se trata apenas de transmitir conhecimento académico, mas de cultivar valores éticos, espirituais e sociais enraizados na fé cristã. Para elas, a educação é muito mais do que instrução - é um caminho para a liberdade, para despertar o pensamento crítico e para transformar a sociedade. Ao longo dos anos, desenvolveram projetos concretos em áreas como a justiça social, a promoção da dignidade da mulher, a proteção das crianças e o apoio aos mais necessitados.
Estas ações mostram que o compromisso cristão com os direitos humanos não fica no papel ou na teoria. Vive-se no dia a dia, através de gestos concretos de amor e serviço, para que todos possam ter vida em plenitude.
Um carisma que não envelhece
Vivemos num mundo marcado por desigualdades profundas, conflitos bélicos e exclusão.
Neste contexto, a missão do IRSCM mantém toda a sua relevância espiritual e social.
As Irmãs continuam presentes onde há fragilidade, ao lado de quem mais precisa: migrantes, vítimas de violência, mulheres e crianças sem acesso à educação, e tantos outros cuja dignidade está em risco.
Este compromisso não surge do nada. Alimenta-se da oração, da vida em comunidade e da escuta atenta da Palavra de Deus - é aí que as Irmãs encontram força para agir. A fé que as move não é fuga nem refúgio, mas dá-lhes esperança e coragem para enfrentar os desafios reais dos lugares onde vivem e trabalham.
Quando o Evangelho e os Direitos Humanos se encontram
Quando a Declaração Universal dos Direitos Humanos foi adotada em 1948, marcou um momento decisivo na história da humanidade.
Mas, se olharmos com atenção, muitos dos seus princípios não eram propriamente novos. A defesa da vida, da liberdade religiosa, da igualdade entre homens e mulheres, do direito à educação e ao trabalho digno - tudo isto já estava presente nos ensinamentos de Jesus e na prática da Igreja ao longo dos séculos.
É aqui que o Instituto das Religiosas do Sagrado Coração de Maria ganha todo o seu sentido. Age como ponte entre fé e ação, entre espiritualidade e compromisso com a realidade.
A história do Instituto mostra que é possível promover os direitos humanos a partir de uma visão cristã - uma visão que vê em cada pessoa um filho de Deus, merecedor de amor, respeito e cuidado.
Miguel Pereira
Diretor Técnico





















