No mês em que celebramos o nascimento do Menino Jesus, este menino que se fez Homem e nos ensinou a conjugar o maior de todos os verbos - o verbo amar. Celebramos também o Dia Internacional dos Migrantes (dia 18) e o Dia Internacional da Solidariedade Humana (dia 20). Haverá alguma familiaridade entre estas histórias?
Maria e José, obrigados a deslocar-se até Belém por decreto imperial, fizeram um caminho duro, inseguro, sem garantias, apenas sustentados pela esperança e pela coragem. Neste sentido, importa lembrar que o Natal é também uma história de migração. Esta viagem de Maria e José simboliza a condição frágil, vulnerável e tantas vezes exposta de quem migra. A sagrada família foi peregrina, não pelo desejo de aventura, mas pela urgência de viver. E apesar do medo e da insegurança, houve, também, a mão estendida de quem lhes deu abrigo, presença e solidariedade.
O Natal continua, por isso, a ser uma metáfora viva da realidade de milhares de pessoas que hoje cruzam fronteiras e deixam para trás a sua terra, a sua vida e, muitas vezes, parte de si próprias. Pessoas que carregam nas mãos mais medo do que bagagem, um peso incalculável que só a incerteza do futuro pode trazer.
Não nos esqueçamos que migrar nunca é um gesto leve.
É sempre uma rutura, com algo que fica, um pedaço de história que não sai do seu lugar de origem. A grande maioria parte, não por falta de amor, mas pela violência silenciosa da necessidade, pela procura de um horizonte melhor. Mas migrar é também um apelo à humanidade daqueles que recebem. E neste privilégio que é não ter de sair, podemos escolher a indiferença - fácil, silenciosa, cómoda ou podemos optar pela solidariedade - exigente, ativa, transformadora.
À medida que nos aproximamos do Natal, somos convidados a recordar que a maior parte das histórias sagradas e humanas começam precisamente aí: no encontro entre a vulnerabilidade de uns e a generosidade de outros.
Esta época festiva recorda-nos que ninguém se salva sozinho e que o “eu” só se cumpre quando ousa sonhar um “nós”. Hoje, mais do que nunca, precisamos de recuperar esse sonho. Vivemos numa época onde as maiores fronteiras não são as que nos são impostas pela geografia física, mas aquelas que impomos à nossa volta. Vivemos numa época marcada por medos que se tornam muros e por indiferenças que nos anestesiam e parecem paralisar-nos perante o sofrimento e a dor de tantos. Porém, a verdadeira humanidade começa quando reconhecemos o outro com olhos de fraternidade, como alguém cuja dignidade não pode ser negociada, nem deveria sequer ser questionável.
Construir um “nós” maior não implica uniformizar diferenças ou apagá-las, implica sim vê-las como riqueza, como património, como um lugar de encontro e de crescimento mútuo. A verdadeira hospitalidade não é um luxo moral, é uma urgência ética. Precisamos de acabar com a dicotomia “eu” e o “outro”, porque este é apenas umreflexo daquilo que somos capazes de ser.
É urgente recordar que a nossa verdadeira vocação cristã nos mostra que não fomos feitos para erguer fortalezas, mas para abrir caminhos.
Para quem vive o carisma das RSCM sabe que o amor e a compaixão não são palavras vazias, mas sim compromissos concretos, como se a vida fosse um convite contínuo a uma caridade viva, capaz de dar corpo à dignidade de cada pessoa. Aqui acredita-se que a verdadeira grandeza de um povo se mede pela forma como trata os mais frágeis, os esquecidos, os que vivem à margem.
O Natal repete, com a desarmante simplicidade de um nascimento, que o mundo só se torna verdadeiramente humano quando ninguém fica de fora. Portanto, que saibamos ver o mundo de hoje como um espelho daquilo que o Natal nos recorda: que a dignidade humana não conhece fronteiras, que o amor não é territorial e que a hospitalidade é uma forma poderosa de paz. Que o olhar compassivo de Maria, uma mulher grávida, estrangeira, vulnerável e a firmeza silenciosa de José, um homem trabalhador, carregado de medo e de fé, sejam espelho e farol. Ambos carregam o mistério de um Deus que nasce nas margens.
Aproveitemos, por isso, esta época para reacender em cada um de nós a coragem de cuidar: a consciência de que cada vida tem uma dignidade inviolável e transformar a esperança em justiça concreta e efetiva, para que Jesus volte a nascer e o presépio seja uma imagem viva a cada porta aberta. Porque a verdadeira luz do Natal não está nas decorações, nem no brilho das janelas; está na centelha que acendemos quando percebemos que a vida de cada pessoa importa.
Cada um de nós carrega dentro de si uma chama que pode acender outras.
Um sorriso pode quebrar barreiras, uma palavra gentil pode dissipar o medo e um ato de cuidado pode restabelecer a confiança. E, quando muitos se reúnem em torno dessa chama nasce algo maior que nós: nasce uma humanidade mais justa, mais digna, mais viva.
Que a gentileza se torne revolução, que a atenção se transforme em justiça e que o respeito gere dignidade. Que o Natal, ou qualquer outro dia, nos encontre mais atentos, mais presentes, mas sobretudo mais humanos. E que esse ser mais humano não seja efémero como a luz de uma vela acesa só por uma noite, mas firme e constante, como um farol que nos guia para o resto dos dias.
E nós? Escolhemos ser a porta que se fecha ou o espaço que se abre?
Eliana Oliveira
Professora





















