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A MISSÃO EDUCATIVA COMO FUTURO

Durante o Fórum Educação & Inovação, organizado pelo Colégio Nossa Senhora do Rosário no âmbito dos seus 150 anos, a Irmã Maria Teresa Nogueira, Superiora Provincial, apresentou a comunicação A Missão Educativa como Futuro na visão de Jean Gailhac, que a seguir apresentamos.

Partilho convosco uma abordagem à matriz educativa que nos é especifica, a visão de educação do nosso querido Fundador, o venerável P. Jean Gailhac, neste ano que lhe é dedicado – celebramos em todo o Instituto 220 anos do seu nascimento e celebramos o jubileu do Colégio Nossa Senhora do Rosário – feliz coincidência de datas comemorativas.

Julgo ser justa ao caracterizar o P. Gailhac, homem do séc. XIX, como alguém de larga visão e inconformado. Impulsionado pela visão de fé e sonho de Deus para o mundo, expresso num apelo do Evangelho – “que todos tenham Vida e vida em Abundância”. Gailhac é um homem inconformado com as feridas da realidade concreta do seu tempo:  ultrajes à dignidade humana, formas de pobreza, sistemas injustos e reprodutores de pobreza e injustiça, usando terminologia mais atual.

O nosso Instituto nasce neste terreno e visão de fé, de sensibilidade, inconformidade diante do sofrimento e proatividade ao serviço da mudança. A nossa espiritualidade e missão dão corpo a uma finalidade especifica: ser resposta à escassez de vida, colaborar com Jesus Cristo na transformação do mundo, para que todos tenham Vida.

A nossa matriz educativa especifica só pode ser bem entendida neste enquadramento alargado de missão e das intuições carismáticas de Jean Gailhac, nosso fundador e das primeiras Irmãs, em especial da Madre Saint Croix, conhecida de muitos dos presentes.

Desde os nossos inícios - o séc. XIX - reconhecemos a educação e formação integral das gerações mais novas como meio efetivo de promover a dignidade humana e cristã. Oportunidade privilegiada de colaborar na mudança de mentalidades e das estruturas da sociedade, de contribuir para um futuro diferente, mais assemelhado ao paradigma do Evangelho de Cristo.

Há no P. Gailhac uma intencionalidade clara - promover, edificar o futuro que se deseja. E há também uma forte convicção - a educação é uma grande e especial oportunidade:

“A Educação é uma das obras que mais importa ao bem da Igreja. Aquela que produz frutos mais certos, mais extensos e duradouros”.
E insiste:
Cuidai os corações jovens.  Serão agentes de mudança e de transformação.”

Com este enquadramento, proponho-me realçar três dimensões geradoras de futuro, segundo a nossa visão e tradição educativa:

Capacitar para a cidadania participativa e intervenção comprometida no tecido social, imbuídos do Evangelho

No séc. XIX e primeiras décadas do séc. XX, quando a educação feminina não era prioridade no sistema educativo em França como em Portugal e outros países do mundo, foi muito importante e significativo o papel do nosso Instituto na promoção da mulher e do seu lugar na sociedade. Fomos resposta de educação cuidada de muitas gerações de alunas em muitos países, promovemos o desenvolvimento das suas competências e direitos, entre eles, o ingresso no ensino superior e lugares profissionais de influência na sociedade.

Geramos e antecipamos futuro ao darmos prioridade à educação da mulher.

Temos disso muitas provas, ao considerarmos o trajeto de muitas das nossas “antigas alunas” que se evidenciaram em ramos diversos - a literatura, a ciência, o direito, a saúde, a educação…

Mais tarde, a coeducação. Reconhecemos que, de um modo geral, encontramos nas diversas gerações dos antigos alunos, posturas sólidas e solidárias, uma cidadania interventiva, com preocupações humanistas e cristãs, e pautadas por este desígnio - que todos tenham Vida.

No mundo atual, globalizado, diante de outros desafios e urgências, incluindo a imprevisibilidade do futuro, estamos certos da nossa corresponsabilidade em ajudar a formar pessoas integras e em preparar boas lideranças ao serviço do bem comum. Jovens e adultos atentos e compassivos com os mais vulneráveis, dotados de competências, interventivos, capazes de bem influenciar. Comprometidos com a mudança no mundo a partir da sensibilidade humanista, cristã e espiritualidade que nos é própria. Pautados por critérios de verdade e de justiça, bem conscientes da interligação e interdependência da humanidade e de toda a criação, capazes de leitura critica e discernida, de colaboração e trabalho em rede. Pessoas assim formadas em lugares de liderança no tecido social, são agentes de mudança de estruturas, fazem acontecer um futuro diferente e melhor. A visão do Evangelho, do nosso fundador.

A internacionalidade do nosso Instituto ajuda-nos a educar com horizontes de universalidade. Organizamo-nos para pensar juntos e de modo colaborativo a missão Educativa. A nível nacional e também internacional. Dispomos de órgãos específicos nesse sentido. Entre eles, o grupo de diretores - de colégios e de centros sociais - e também a Rede Global de Escolas do Instituto - reúne diretores de todos os Colégios do Instituto para, numa visão mais universal, escutarmos e acolhermos os sinais do mundo global, rezarmos e pensarmos juntos a missão educativa, em resposta aos desafios de futuro, em fidelidade e inovação. Muitos dos projetos - locais, nacionais, internacionais - estão alinhados com esta corresponsabilidade. Desejamos que os nossos alunos aprendam a movimentar-se num horizonte de cidadania local e global, vivida a partir do Evangelho.

Valorizar a formação integral e singular das crianças e jovens alunos

Gailhac recomenda às Irmãs do seu tempo e hoje a nós:

“Devem trabalhar com as crianças que vos são confiadas de maneira a torná-las aptas a ocuparem o lugar em que Deus delas precisa. Importa que sejam devidamente preparadas para quanto no futuro lhes vier a ser confiado. Que a instrução não fique isolada da virtude. É preciso educar valores e hábitos de vida cristã, inicia-las na prática das virtudes, aumentar a ciência e a preparação intelectual, incutir hábitos de aprendizagem e de estudo, ajudar a que cada uma se desenvolva em tudo aquilo de que poderá ser capaz”

Desta citação escolhi, suficientemente clara e completa, permitam-me que destaque

  • a ligação entre o saber e o saber ser, a instrução e a virtude; a ciência e preparação intelectual aliada ao saber ser - valores, hábitos e prática das virtudes cristãs
  • o papel da criança como agente do seu desenvolvimento - que cada uma se desenvolva
  • o desenvolvimento progressivo e mais pleno de si - em tudo aquilo de que poderá ser capaz” (zelo)

Apesar de serem datadas do séc XIX, são intuições educativas que geraram futuro e percebemos alinhadas com o nosso Ideário formulado em 2010, bem como alguns dos princípios do Perfil do Aluno.

Carateriza-nos uma visão de desenvolvimento harmonioso da pessoa em todas as suas dimensões e inteligências - intelectuais, mas também físicas e artísticas, emocionais, relacionais e inter-relacionais, a interioridade, a ética, a espiritualidade e o serviço aos outros… tendo por referência a pessoa plena de Jesus Cristo.

Carateriza-nos uma cultura de rigor, de exigência e de qualidade. O estímulo à investigação e à produção de conhecimento. O gosto pelo saber e por saber pensar, percursos académicos sólidos, o desafio à superação … Tudo isto em respeito pelo perfil e ritmo de cada criança e das suas potencialidades próprias. Criar condições e estimular o desenvolvimento mais pleno de si, com uma finalidade - melhor servir os outros.

Não o fazemos por comparação ou por competição, mas por corresponsabilidade com o bem comum.

Propomo-nos estimular a síntese fé-ciência-cultura-vida, a maturação progressiva e harmoniosa da identidade na singularidade que cada um é e deseja ser. 

Cuidar da valorização e perfil de quem educa

O P. Gailhac considera a educação como missão e como arte.

 “Educar a infância é uma das maiores obras de arte. É preciso tanta paciência, tempo e amor para educar e formar alguém! Quanta atenção para cuidar os corações! Uma coragem e uma paciência heroica”

Dedica, por isso, muitas cartas a aconselhar as Irmãs na missão educativa. Do muito que expressa, é evidente a sua exigência e exortação à coerência, a ser exemplo e referencia. Permitam-me que destaque algumas dimensões:

- O conhecimento e relação com as crianças:
“Quem educa precisa ser vigilante. É preciso ter uma santa astúcia para adivinhar os menores sinais e movimentos. É preciso um amor sobrenatural, suave e forte, firme e bondoso, constante, persistente, criativo”.
“Importa que a criança saiba e sinta que a amam. Que tudo fazem para seu bem”.

- O cuidar da sua preparação e evolução contínua
“Só se pode ensinar a sabedoria, se a vivermos e praticarmos. Dedique tempo ao estudo e prepare-se devidamente. Tem essa responsabilidade e dispõe dos meios.”

- A coerência entre palavra e ação
“É importante que vejam na prática o que lhes dizem em palavras.
Quando se ensina o que se pratica, não são precisas muitas palavras. Se virem com os olhos o que as palavras expressam, a lição é dupla. O espírito fica esclarecido e o coração motiva-se e adere. A lição é eficaz”

Só podemos confirmar a verdade e atualidade destas palavras de Gailhac.

Cuidar da motivação, da qualidade do desempenho e do exemplo pessoal. Cuidar do ambiente coletivo, da comunidade educativa incluindo a família, para que seja testemunho de valores e ideais, com sentido de missão e de pertença, estima recíproca, colaboração e corresponsabilidade partilhada… isto é uma espécie de “oxigénio que se respira” indispensável na arte de educar e na eficácia educativa.

Para o P. Gailhac e para nós hoje, educar é arte de Esperança, de crença no futuro, de aposta na mudança. “quem educa está na linha da frente da mudança e da transformação da sociedade”.

Os frutos …muitos deles não se evidenciam no presente; não conseguimos antever o alcance de grande parte do trabalho educativo. Como a história da semente - precisa de tempo para germinar, crescer, só mais tarde se revela a planta ou a árvore que é.
Quem educa pressente e antecipa esta realidade

Julgo que o P. Gailhac se sentirá feliz pela evolução da sua obra e pela adesão à espiritualidade que nos confiou. E um santo orgulho pela paixão que nos move na arte de educar, na fidelidade e inovação com que é vivida. Que ele mesmo interceda por nós, para que os nossos dias sejam sempre e cada vez mais de bênção para quantos nos são confiados, para que todos tenham vida.

Comunicação da Ir. Mª Teresa Nogueira, rscm (adaptada)