Menu Fechar

AS NUANCES DE UM NOME

Desde 2019, o dia 5 de abril é assinalado pela Organização das Nações Unidas (ONU) como Dia Internacional da Consciência.

Instituído através de uma resolução proposta pelo Barém, tem o objetivo principal de contribuir para as metas de desenvolvimento sustentável da ONU, nomeadamente no âmbito da paz, justiça e salubridade das instituições, uma das principais bandeiras do modelo de desenvolvimento social promovido pela instituição.  

Oficialmente, celebra-se a consciência – moral – humana. Celebra-se a forma como um desenvolvimento integral e uma imersão plena na sociedade culminam necessariamente na aquisição de uma cultura da paz. Celebra-se o desejo de que os valores e os ideais inerentes a um projeto partilhado, sem fronteiras, alimentem nos indivíduos a base para um modo de estar em comunidade harmonioso. Em paralelo, louva a existência de um núcleo moral inalienável em cada ser humano, corporizado nas vozes que ao longo da história protestaram contra atrocidades e barbaridades – vozes que denunciaram o silenciar das consciências dos outros. 

A motivação da resolução é nobre e a denominação atribuída ao dia é pertinente. Ainda assim, pecam por não aproveitarem o pluralismo do termo “consciência”, pleno de sentido. Dada a minha formação em ciências psicológicas, dou por mim a contemplar um significado inteiramente distinto do pretendido para a nomenclatura. Ora, a psicologia é a ciência que por excelência trata as questões que, no seu fundamental, circunscrevem aquilo que é a essência humana – e essa essência é a própria consciência.   

Tradicionalmente, a consciência é definida como a noção de si e dos outros, a fronteira que determina o externo e o interno, o centro de interpretação e reação ao contexto que nos rodeia. É, portanto, a noção de duas realidades, a minha e a que está para além de mim, e o espaço onde estas interagem. É o conhecimento de si sobre si, por referência ao mundo que navegamos a partir desta noção de sermos quem somos.  

Sentimos, pensamos, agimos.

Cada uma destas experiências remete para um sujeito, para o ser que sente, pensa, age – e para a consciência que o sujeito tem de viver essas experiências. Mas como é que esta outra visão sobre a consciência informa a riqueza da “consciência”, como celebrada no Dia Internacional da Consciência?

Informa, em primeiro lugar, por enquadrar a consciência enquanto consciência de si. A consciência remete-nos à introspeção, ao reconhecimento da nossa vida interior. Ao fazê-lo, empodera todos e cada um, leva-nos a agir. Enquanto diálogo interior, a consciência cativa o nosso centro moral, sedento de paz e justiça, que se inquieta na presença da iniquidade. Este centro moral perturba-se quando em dissonância com o mundo que o rodeia e transforma a noção de si em agência – dirigida à transformação do mundo, à busca de um equilíbrio entre o interior e o exterior. Cientes de nós, incapazes de indiferença face às impiedades que apreendemos, estar consciente de si é, no fundo, um movimento que promove a ação justa.

Mas a consciência de si é consciência dos outros, também.

Impossibilitados de vivermos consciências que não a nossa, somos remetidos para a necessidade de as construir. E, nesse âmbito, os outros passam a nortear a nossa à sua, limitando o modo como esta consciência de si se apresenta ao mundo. Reconhecermo-nos como influentes nas experiências das consciências dos outros obriga a que essas ações respeitem a humanidade de quem nos rodeia. Aliás, arrisco dizer que uma das bases para a ausência de paz é a falta de reconhecimento da consciência do outro, ou a rejeição total da sua existência – a desumanização.  

É ainda consciência de si nos outros. A nossa noção de ser e a noção de que os outros também são obrigam a que os outros sejam connosco. Num projeto comum, numa “aldeia global”, na busca de valores universais, a comunidade é obrigatoriamente vivência partilhada. É o reconhecimento de que a harmonia e a paz são a expressão de quem somos no respeito por quem o outro é. E aqui reencontramos os ecos do Dia Internacional da Consciência como a ONU o pensou: A celebração da diferença como inevitabilidade que também nos define e que nos aproxima mais do que nos afasta. A celebração da diferença como ponto de encontro, uma coesão que brota da busca de conhecer o outro, quando o reconheço como único e separado de mim. 

Eis chegado o dia 5 de abril, Dia Internacional da Consciência. Dia Internacional da Consciência de si, dos outros, de si nos outros. Um dia que remete para os desafios de nos sentirmos ser e de precisarmos de conciliar essa existência com estes sentimentos nos outros. Um dia para celebrar aquilo que nos define, que nos é intrínseco, enquanto pessoas – e a esperança nessa natureza enquanto base de uma vivência orientada para a harmonia e para a paz.

Francisco Cruz
Investigador | Doutorando em Psicologia