Desde há largos anos, que a expressão «o vento sopra onde quer» (reproduzida por Jesus numa conversa com Nicodemos) produz em mim um grande fascínio, que me comprometo agora a tentar explorar, temendo prender-me numa objetividade que anularia algo difícil de traduzir por palavras.
Esta expressão parece falar-me da própria história humana, do mistério que é a presença divina e da incontrolabilidade da vida - apesar de construirmos na nossa consciência coletiva e individual a noção de que nós é que controlamos o nosso destino.
Por outro lado, sempre me fascinou a luta semântica sobre a palavra que deveria constar da tradução dessa expressão... "Será mesmo vento ou será espírito?" Sabemos que João terá querido dizer vento, - literalmente, mas, muito provavelmente, Jesus terá dito "ruah" - em aramaico (ou ruach em hebraico) ... que tanto significará vento como espírito.
De qualquer modo, esta busca por um sentido que fale mais profundamente com aquilo que cada um se identifica seria já a prova-provada de que o espírito sopra onde quer... e, se uns encontram aí a metáfora perfeita para definir o Espírito Santo, talvez isso já seja obra do Próprio.
A busca incessante pelo sentido literal de determinadas palavras ou expressões parece-me antagónico à experiência do Espírito, e à experiência de Deus. Nicodemos acaba por perceber isso ao conhecer Jesus, embora lhe tenha exigido um grande esforço pessoal, que o obrigava a “sair” de uma tradição diferente e, por essa razão, precisava do seu tempo para entender as palavras que Jesus lhe dirigia… ainda que o fascínio que transparecia por entre a mensagem de Jesus já ninguém lho pudesse tirar.
Julgo que será assim connosco, na nossa vida de fé. Estamos presos a uma tradição, a uma história e até a um contexto atual que nos dirige no sentido contrário da mensagem de Jesus e, por isso, «é preciso nascer de novo». Contudo, Jesus é claro, só nascemos de novo através do Espírito. Espírito esse que tem sido o pilar esquecido da Santíssima Trindade, e que normalmente nos lembramos por ocasião do Pentecostes, pela imagem das línguas de fogo, pela imagem dos apóstolos a falarem, repentinamente, diferentes línguas…
Também hoje precisamos de falar diferentes “línguas”, urgentemente!
A língua do amor, a língua da compreensão, a língua da tolerância… a língua do Espírito. O Paráclito, como João também faz questão de lhe chamar, é O que consola, O que ensina, O que defende, O que intercede… O que está junto. É a promessa de Jesus de estar sempre em nós. É pelo Espírito Santo que Jesus – que Deus, vive em todos.
Por isso, quando ainda oiço a narrativa dos “escolhidos” de Deus, entendo-a sempre em contraponto com a narrativa dos “proscritos” – que, na verdade, são proscritos por nós e nunca por Deus. Juntando-lhe a ideia de um Espírito que sopra onde quer, até podemos encontrar quem sustente, com esta expressão, a tese de que Deus tem o seu grupo de “escolhidos”. Nesse momento, socorro-me de uma expressão oriental, de uma outra vivência religiosa, mas que me ensinou algo sobre a nossa – a palavra namastê. Contaram-me, nas margens do Ganges, que esta expressão carrega consigo um significado simbólico, que promove, desde logo, a inclusão: “o Deus que habita em mim, saúda o Deus que habita em ti”. Esta consciência alargada de que o divino faz morada em nós, que Deus, pelo Espírito Santo, faz morada em nós, em cada ser humano, foi o suficiente para perceber que esta consciência também eu a leio na mensagem de Jesus.
O Espírito Santo habita em nós, mesmo que, por vezes, não o encontremos no meio da “tralha” que acumulamos.
O Espírito Santo dá-nos a força de emanarmos o Seu sopro de vida, de consolo, junto dos outros – impele-nos a levá-lO por onde quer, pois o Espírito Santo em nós nunca diminui o outro, pois, no outro, o Espírito Santo também se faz presente.
Que bom seria que redescobríssemos em nós este “Espírito da Verdade”, pois talvez redescobríssemos a dignidade do outro e talvez redescobríssemos o propósito de Deus nas nossas vidas. Talvez olhássemos o mundo com os olhos de Deus, ouvíssemos com os ouvidos de Deus e falássemos com a voz de Deus… Talvez seja isto falar outras línguas, como se lê no capítulo segundo dos Atos dos Apóstolos, talvez seja isto o Pentecostes. É preciso nascer de novo? – Não! Como diria o poeta, “é urgente…”, é urgente nascer de novo!
Fábio Pereira