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NO CENTRO DO CENÁRIO!

Nunca como hoje se falou tanto de saúde mental!

Este tema (e este ramo da saúde), tantas vezes tratado (ou não tratado) no silêncio e no oculto por ser motivo de forte descriminação… parece estar hoje de moda! Normalizou-se falar de bem-estar e do quanto ele é importante e contribui para a saúde mental. Fala-se facilmente da Saúde… e com dificuldade continuamos a falar da doença mental! Para que possamos dimensionar do que falamos as perturbações psiquiátricas representam 12% das doenças em Portugal (Relatório/2024 Coordenação Nacional das Políticas de Saúde Mental) e é uma doença que, nos seus diferentes graus (ligeira moderada, grave e muito grave) atinge 25% da população (Census/2011).

O dia 10 de outubro é dedicado à Saúde Mental sendo uma oportunidade de promover o debate, falar de prevenção, de educação, de reflexão e de políticas que põem em relevo a saúde mental. Que bom que bom seria que este dia colocasse as pessoas com experiência de doença mental no Centro do Cenário. Não para discriminar ou concluir as diferenças, mas para que sejamos aquilo que estamos chamados a ser: uma sociedade inclusiva, que acolhe, respeita, cuida, apoia e se ocupa com o sofrimento de quem se vê afetado por esta doença!

Ninguém escolhe a doença!

Menos ainda padecer uma doença mental! Talvez sejam poucas as doenças que afetem tão transversalmente a vida. Para além de a pessoa não se sentir bem a nível físico, em graus mais severos pode tornar-se incapacitante no cuidado de si próprio ou da família, para assumir um trabalho, para o convívio social, para uma relação equilibrada com o mundo à sua volta!...
Nem sempre a doença se manifesta visivelmente…! Quando nos relacionamos com as pessoas é mais percetível pelo discurso, pelo comportamento, mas também pode ser muito discreta e silenciosa! Por vezes, temos a ideia de que esta é uma doença que afeta mais os pobres, resultando da falta de instrução ou de oportunidades e não há nada de mais errado! É uma doença que não “escolhe” raças, classes sociais ou idades! Pode surgir em qualquer momento! Encontraremos algumas doenças que se manifestam mais frequentemente em determinadas idades – mas nenhum de nós está imune!

Entre sermos geradores de sofrimento ou construtores de pontes?

Vimos de uma tradição em que socialmente se aponta, exclui e separa o diferente: o que se comporta diferente, o que aprende ou se manifesta de forma diferente… atirando muitas vezes estas pessoas para situações de maior vulnerabilidade, abandono, solidão… aumentando o seu sofrimento! Ignorando ou não refletindo que um dia essa poderá ser a minha própria situação ou a de um familiar ou amigo próximo e querido! A própria doença pode deturpar a perceção da realidade e do estado de saúde, mas a reação daqueles que estão mais perto leva, muitas vezes, a ocultar, a alhear-se, a não querer admitir… e por isso tantas vezes temos “medo” de falar destes temas… pelo que vão dizer, pela forma como nos vão olhar… e somos condicionados em admitir que algo não está bem e na procura de ajuda; não partilhamos o nosso verdadeiro estado, as dúvidas, os medos, o sofrimento, que ajuda e acalma a dor e permite encontrar caminhos e soluções… A doença mental não afeta apenas a própria pessoa, afeta a família e as pessoas mais próximas na relação.

Promoção de hábitos saudáveis

Tem-se tornado muito presente a temática da promoção da saúde mental. Para além dos bons hábitos a adotar, que são de priorizar, há outras temáticas não menos importantes que preservam a Saúde e que têm vindo a sofrer grandes alterações nos últimos anos, nomeadamente as relações e a estabilidade de vida. Tocamos realidades como a família, os contextos de escola e de trabalho, os amigos… Como nos vemos e comunicamos, se estamos atentos uns aos outros, se passamos tempo juntos, como nos (re)conhecemos, como nos preocupamos, como nos fazemos próximos e presentes na vida uns dos outros? Como integramos ou expomos os que são diferentes (e vem à nossa mente temas como individualismo, isolamento social, comunicação impessoal, bullying); damos conta dos colegas mais tristes, mais fora do grupo, que têm mais dificuldades?… quem se aproxima? Nem todos teremos a capacidade técnica de intervir numa situação de doença, mas se estamos atentos, podemos ser elementos chave para o reconhecimento dos sinais da doença e de procura de ajuda, que quanto mais cedo acontece, maior benefício pode trazer!.

A saúde e a doença mental não são apenas um tema clínico

A saúde e a doença afetam todo o nosso ser bio-psico-socio-espiritual. Quando convivemos com a doença, é inevitável o sofrimento. A forma como somos cuidados e acompanhados, pode ser parte integrante da “cura”. Uma cura que pode não significar eliminar a doença, mas que pode ensinar a conviver com ela. Mais do que padecer uma doença, marca-nos a forma como somos ajudados a enfrentá-la! Se encontramos assistência, compreensão, respeito, paciência, lugar na comunidade, se continuamos a sentir que não somos descartados e apartados do meio familiar, da proximidade dos amigos, a doença pode permanecer, mas a pessoa não é afetada na sua dignidade. A permanência incondicional ao lados dos que sofrem é um dos maiores meios para manter viva a esperança no coração dos que sofrem!

Ser expressão do amor de Deus para com os doentes como missão

Ao longo da história, muitos foram os que se dedicaram ao cuidado dos doentes! Facilmente nos lembramos de pessoas concretas! Fizeram-no, não apenas por gosto, mas por experimentarem no seu coração a compaixão pelos que sofrem, a ponto de lhes dedicarem a sua vida! Podemos falar de muitos santos, de algumas Congregações Religiosas a quem é confiada essa missão de fazer visível, concreto, o amor de Deus para com os que sofrem!

E o grande inspirador é Jesus, o grande Mestre do cuidado aos pobres, aos doentes, aos excluídos… o que aprendemos? Jesus vê, compadece-se (sintoniza com a dor do outro), aproxima-se, estende a mão, levanta, cura, liberta, reintegra na sociedade, devolve a dignidade (faz o outro sentir-se pessoa e digno do seu amor e atenção) – humaniza: devolve o que a doença ou a exclusão social tinha retirado! E humaniza não só aqueles que passam por essa experiência de dor ou de carência. Humaniza também aquele que se aproxima, que cuida, que permanece… que se realiza como pessoa comunicadora de vida e de esperança, vivendo a experiência de conectar com o mais profundo de si mesmo, deixando que a pessoa em necessidade reclame o melhor de si e o devolva ao mais essencial, que é ser dom de Deus, que se realiza na relação com os outros!

Ler os Evangelhos atentos ao ser e atuar de Jesus para com os pobres e doentes é de uma grande ternura e só um coração de pedra não se comove… e sentimos que é assim que Ele atua connosco… porque não sabe outra coisa se não amar, curar, reintegrar! Sempre! E somos feitos à sua imagem e semelhança!

Fernanda Oliveira
Hospitaleira do Sagrado Coração de Jesus