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NÃO NOS FALTAM RAZÕES

Vivemos dias de polarização!

Tanto a nível interno como a nível global parece-nos que, na nossa história recente, nunca vivemos dias tão extremados. Voltámos a tempos de olhares monocromáticos e que isso aconteça, quando estamos ainda na “primeira infância” do pós-pandemia, choca ainda mais! 

Esse tempo atípico, confuso e preocupado, mas também solidário, altruísta e de superação da nossa vida pessoal e comunitária parecia que nos empurrava para modos de ser e estar mais genuínos, simples e valorativos, em que nos sentíamos todos iguais, em que “estávamos todos no mesmo barco”, como nos disse o amado Papa Francisco.  

Não tem sido assim! E, por isso mesmo, como está não pode ficar! 

Acabámos de iniciar um novo ano letivo... se olharmos para o mundo da escola, é notícia a crónica falta de professores cujos números exatos parecem impossíveis de obter, o retirar dos telemóveis em contexto escolar que foram dados pelos pais e que em casa não se tiram, a digitalização ou não do ensino, o acesso ao ensino superior e os numerus clausus que parecem, afinal, não serem assim tão “fechados”, a Educação para a Cidadania que parecia resumir-se a sexualidade e identidade de género...! Fala-se muito e quase sempre de maneira extremada e não raras vezes sem conhecimento efetivo das matérias.  

Mas se olharmos para o mundo de uma forma mais global, deviam molhar-se-nos os olhos de vergonha! As vidas humanas estão muito depois dos poderes bélicos e geopolíticos, a busca de melhores condições de vida é usada para explorar, ativam-se medos, reemergem “cruzadas”, erguem-se muros entre nós e eles. Falta compromisso com o bem comum, com a dignidade de todos, com a valorização do trabalho e crescem os guetos de conforto e os "bidonvilles" do passado. 

E assim, nesta espuma dos dias, não se vai ao sentido mais profundo, ao conhecimento mais enraizado, à escuta mais ativa, à verdade! A espuma dos dias tem a aparência da mentira, o entusiasmo da demagogia, a leviandade da superficialidade, o carreirismo da politiquice dos interesses, a força da capacidade para gritar mais alto, a futilidade do umbigo.

Para quem está, assumidamente e por paixão, na vida da escola não nos faltam razões para educar! Só que os braços são poucos! É preciso fazer uma economia de esforço, por isso impõe-se a pergunta: começamos por onde?

Começamos pela família?

Falamos-lhe da importância da presença afetiva e efetiva? Do poder do exemplo? Da necessidade do aborrecimento na vida das crianças? Da promoção da autonomia? 

Dizemos-lhe que amar não é apaparicar? Que os pais são muito mais do que melhores amigos e que, por isso, têm que os respeitar e obedecer e que isso não é autoritarismo? 

Afirmamos-lhe que não se compra o amor dos filhos? Que quem se divorcia são os adultos? Que as crianças e jovens precisam de “balizas” e segurança para uma boa estruturação da sua personalidade. Que urge o amor firme do sim como do não! 

Deixamos claro que há horas para vir para a mesa? Que comemos juntos, que a televisão, computador, o smartphone ou outros gadget têm horários? Que não há cor da pele? Que no namoro como em outras relações pessoais um não é para respeitar e que se assim não for estamos perante uma relação abusiva e tóxica? 

Relembramos-lhe que os professores, auxiliares e colegas são para respeitar e que as crianças só o saberão fazer se o aprenderam em casa? Que devem deixar a escola tratar das coisas da escola e que não devem querer controlar amizades, elaboração de turmas ou trabalhos de grupo? Ajudamos a compreender que cada vez que o fazem, estão como que a dizer à criança que ela não é capaz de resolver os seus próprios assuntos?

Temos de lhes dizer que não se falta a testes, não se tiram férias em tempo escolar, não se justificam faltas por preguiça, não se inventam doenças e que se cumprem horários? Que as disciplinas, todas as disciplinas, são importantes e que concorrem para a formação integral?

Expressamos empatia e compreensão pela sua difícil tarefa?

Começamos pelos alunos?

Ensinamo-los a partilhar, a brincar, a manter a atenção conjunta, a pensar criativamente, a valorizar a diversidade e a promover a inclusão? 

Proporcionamos aos nossos alunos momentos de riqueza interior e de reflexão? Despertamos nos seus corações o sentido de justiça, de espírito de comunhão e de integração ética no mundo global?  

Deixamos claro que há valor no esforço, no trabalho, na superação? Ajudamo-los a descobrir as suas competências e dons e a aceitar as suas fragilidades? Levamo-los a valorizar o mérito, a excelência, as atitudes e os valores? 

Promovemos o seu desenvolvimento saudável, física e mentalmente? Deixamos claro que diversão não é beber até cair para o lado? Que a indiferença corrói, que não se tolera bullying, que usar o anonimato para denegrir a imagem de outro não é valentia, é cobardia? 

Desafiamo-los a intervir na vida da escola como “ensaio” para a vida e compromisso social futuro? Capacitamo-los para uma cidadania responsável, para a literacia financeira e digital, a participação cívica, o respeito pela casa comum, uma afetividade matura que merece ser respeitada e que se deve respeitar a si própria?

Ajudamo-los a compreender que não vale tudo? Que podemos fazer tudo, mas nem tudo nos convém? Que há direitos e deveres e que as nossas atitudes têm consequências?

Ou começamos por nós próprios, educadores?

Acolhemos os nossos alunos com braços cuidadores? Gostamos deles mesmo não gostando de todas as suas atitudes? 

Recuperamos as razões da nossa vocação? Assumimos verdadeiramente que somos educadores e não “técnicos” de uma determinada área, matéria, especialidade? 

Apostamos na nossa formação humana e profissional para a colocar ao serviço da nossa comunidade educativa? Conhecemos, identificamo-nos e comprometemo-nos com o projeto educativo da nossa escola? 

Tomamos consciência do poder das expetativas face às crianças e jovens que nos são confiados? Dispomo-nos a levar cada aluno e cada aluna ao seu máximo potencial? Exigimos sem humilhar ou ridicularizar? Criamos ambientes educativos ricos, inclusivos e estimulantes? Valorizamos a criatividade, autonomia, a proatividade e o interesse dos nossos alunos? 

Compreendemos as estruturas familiares e comprometemo-nos a ajudá-las e “ver mais claro”? Cooperamos entre nós? Olhamo-nos com respeito mútuo? Damos exemplo? 

Amamos a nossa profissão? Vemos nela um modo (o nosso modo) de colaborar com Deus na transformação do mundo? 

Uma declaração de interesses final: o presente artigo foi escrito por um professor. Justifica-se, assim, o “olhar”. A ser escrito por uma mãe, um pai, um aluno ou uma aluna, a agulha seria apontada para outros olhares.  

Em qualquer dos casos, ouçamo-nos mutuamente! Façamo-lo com uma escuta realmente ativa! Se o conseguirmos fazer, será a bem do futuro que hoje vamos semeando.  

Não nos faltam razões para educar todos, todos, todos! 

Luís Pedro de Sousa
Professor