Apesar do Chico ter já dois anos e de faltar pouco tempo para ver o Vasco, que ainda vem a caminho, ainda não me vejo como um velhinho ternurento, sem filtro e a quem é permitido tudo. E estou ainda mais longe de ver a Isabel dessa maneira.
Comecemos pelo princípio: não há netos sem filhos e eu adoro ser pai.
Penso muitas vezes que essa é, por si só, a melhor justificação para ter nascido. E dou Graças a Deus todos os dias: ser pai preenche-me a vida, preenche-me o quotidiano, faz-me apreciar o meu passado e dá-me sonho de futuro. Tenho um orgulho absolutamente desmesurado nos meus filhos, que são homens e mulheres de corpo inteiro, absolutamente normais, e cujo esforço e opções de vida os colocaram já a quilómetros do que vou conseguindo ser ao fim destes anos todos, quanto mais do que era quando tinha a idade deles. Babo-me sempre quando falo deles.
E babo-me quando falo do Chico, o meu neto, filho da Rita. Eu adoro ser avô. Que, ao contrário do que diz a vox populi, não é ser pai duas vezes. Não tem nada a ver. Não se trata de amar mais nem menos, porque o amor ou é sem medida ou não é amor, mas ama-se com uma liberdade, com uma despreocupação, com uma entrega muito diferentes. Porque confio inteiramente nos meus filhos, porque sei que amam e amarão profundamente os seus filhos, porque confio que são e serão bons pais e boas mães, posso permitir-me desligar dessas coisas chatas de educar, de me fingir zangado, de ralhar, e da dúvida subsequente se fiz bem ou mal, se fui demasiado exigente ou permissivo, se eles me vão detestar e dizer aos amigos que o pai é horrível (como li numa mensagem que a minha filha mais velha, por engano(?), enviou para mim e não para as amigas). Não tenho também essa omnipresente responsabilidade de assegurar o seu futuro, de garantir que terá uma boa escola, de fazer contas e mais contas para que não lhe falta nada de essencial – e pesar constantemente o que de facultativo convém ou não dar, para que não cresça numa redoma e se prepare para a vida. Isso são, agora, tarefas dos pais e das mães, não nossas, dos avós.
Claro que a preocupação não tem fim, e os tenho – a todos, filhos e netos - sempre debaixo de olho, suficientemente distante para que se possam autodeterminar, suficientemente perto para que possa acudir. Mas tenho o meu olhar e os meus braços e as minhas loucuras e o meu tempo muito mais disponíveis para se dedicarem inteiramente ao Chico, o meu primeiro e único neto nascido porque o Vasco, já profundamente amado, vem a caminho e só chegará em meados de outubro.
Quando o Chico chega a casa, tudo para. Adora a Bó Babela, que é como ele chama a Isabel. E ela, como avó maravilhada que é, enche-lhe todas as medidas. Não se largam um minuto. A não ser quando eu chego a casa e ele já lá está, e vem a correr para o Bu Zé com uma alegria imensa, espontânea, e com um olhar de felicidade que eu já não via desde que os meus filhos se tornaram adolescentes. Agarra a minha mão e leva-me ao mundo que descobriu durante o par de dias em que não nos vimos, que tanto podem ser nomes de animais ou de comidas ou brincadeiras, como saltos que no seu imaginário são imensos. E rapidamente regressa à Bó Babela. E as refeições? Não sei a quem saiu, mas adora estar à mesa, a comer na maior das algazarras, e junta-se à cantoria, a rir e fazer rir, a fazer as fitas das boas, para que todos os nossos olhares - e são muitos - se concentrem em si, numa alegria esfusiante que nos contagia a todos.
Não há netos sem filhos. E, idealmente, não há filhos e netos sem família.
Francamente, não saberia ser avô sem os meus. Assim como nunca soube ser pai sem a Isabel, sem os meus sogros, sem os meus filhos, sem toda a família e os amigos e todos os que nos acompanharam sempre, uns na permanência outros na alternância que a vida nos impõe. Quando, no meio da maior confusão, olho para a nossa mesa - onde apenas cabemos todos se apertadinhos - e vejo o mundo todo, a vida reganha um outro sentido. Por vezes, quando me perguntam como foi possível educar cinco filhos, e ter agora genros e noras e netos, eu limito-me a sorrir e a encolher os ombros. Que sei eu? Amei. Simplesmente amei muito, ri e chorei muito, rezei muito, e a vida foi acontecendo. Muito mais por sua responsabilidade que minha, que continuo um puto do bairro de Contumil maravilhado com a vida que acontece à sua volta.
A intuição mais forte - e mais verdadeira - que tenho é que foram eles a educarem-me a mim, que foram eles a fazer de mim marido e pai e, agora, avô. E, por via deles, profissional, companheiro, amigo... A verdade é que seria uma pessoa muito diferente, incomensuravelmente pior, absolutamente mais perdida, sem todos eles, sem o seu amor, sem o seu amparo, sem a razão de viver que me transmitem todos os dias. E sem esta permanente vontade de louvar a Deus, por todos os momentos, profundamente grato pelo imenso que me é dado para viver.
José Pinho
Avô