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CELEBRAR O AMOR

“O que fizestes a um dos meus irmãos mais pequeninos, a Mim o fizestes” (Mt 25,40)

Hoje, impõe-se que falemos de Amor. Um amor universal, um amor muito humano, muito concreto, muito merecido. Digo-o, não porque o Evangelho do passado domingo nos tenha recordado o mandamento do Amor, nem tão-pouco por se terem recordado todas as mães – talvez a forma mais autêntica de amar – mas tão-somente porque se assinala, hoje, o 1.º Dia Nacional da Pessoa com Deficiência Intelectual.

Para todos, sem exceção, os dias deveriam ser de celebração da vida, uma oportunidade para nos lançarmos na aventura de amar e de nos sentirmos amados, para experimentarmos a alegria de nos sentirmos pertença de uma comunidade humana ampla, universal, justa.

Porém, a vida nem sempre se revela desta forma. Para muitos, em especial para a pessoa portadora de deficiência intelectual, a vida é ainda mais dura, mais adversa pelas suas fragilidades e pelos obstáculos que se lhes colocam.

A verdade é que também elas têm sonhos.

Também elas são merecedoras de ver concretizados os seus desejos e de ter uma vida que as realize. Os entraves e as adversidades, porém, são tantos que nem sempre o desejado e o sonhado se conjugam.

Esta efeméride que hoje se assinala resulta de uma iniciativa da Federação Portuguesa para a Deficiência Mental – HUMANITAS – que iniciou em 2022 uma petição pública, subscrita por mais de dez mil cidadãos, e que, levada ao plenário da Assembleia da República, fez emergir uma recomendação dirigida ao Governo para que se instituísse o dia 10 de maio como o dia nacional dedicado à pessoa portadora de deficiência intelectual.

A razão da escolha deste dia associa-se à história impressionante de Dwight Mackintosh, um pintor norte-americano, nascido neste mesmo dia em 1908, que viveu mais de 50 anos num hospital psiquiátrico e que, mesmo assim, conseguiu tornar-se um dos mais excecionais e influentes pintores do séc. XX.  A extraordinária história de vida deste homem, a quem foi diagnosticado “atraso mental” desde muito jovem, tornou-se uma referência na luta pela aceitação e pela conquista, de pleno direito, de um lugar na sociedade.

Uma das muitas dimensões da minha vida tem sido preenchida na entregue a esta causa. Há quase 17 anos que abraço a missão de servir a minha comunidade, assumindo responsabilidades na condução dos destinos de uma associação que acolhe 90 pessoas adultas portadoras de deficiência intelectual. Desde então, tenho dedicado uma parte significativa de mim a este serviço voluntário e faço-o por me sentir chamado a desempenhar este papel na defesa dos seus interesses, de as promover, acolhendo-as nas suas particularidades e criando-lhes as melhores condições possíveis para que, à sua medida, possam ter uma vida digna, realizada, e se sintam amadas e acolhidas.

Ao longo destes anos, tenho feito descobertas surpreendentes: pessoas sempre de sorriso na face, muito concretas na sua forma de amar e ser afetuosas, tão profundas na relação com as pessoas e até com Deus, tão de afetos, tão de abraços, de contacto, tão puras, porque tudo lhes vem do coração, não da razão. Há toda uma construção de relação enraizada no coração, de coração para coração. Desprovidas de filtros e de preconceitos, o seu modo de agir, de ser e de amar são pura verdade. Esta é a maior das lições que podemos aprender com elas. 

A nós, falta-nos, por vezes, esta sensibilidade afetiva, verdadeira, espontânea, que é genuinamente mais profunda.

Celebrar esta data representará, pois, não apenas uma conquista importante para a comunidade destas pessoas, mas assume-se como uma extraordinária oportunidade para desafiar toda a sociedade a refletir e a consciencializar-se para esta realidade, tantas vezes esquecida porque remetida para contextos distantes, longe dos olhares. É, por isso, fundamental que se reconheça a importância de celebrar para que deste modo se promovam a inclusão e a igualdade de oportunidades, permitindo a todos ter uma voz que se faça ouvir e uma forma concreta que se deixe ver e permita ser aceite.

A qualquer outro ser humano, dotado de plenas capacidades físicas e intelectuais, é dada a oportunidade de se comprometer com uma vida e de construir um projeto de vida que lhe possibilite realizar-se e concretizar projetos e sonhos e ainda que acautele uma vida munida do essencial até ao final dos seus dias. Todavia, às pessoas portadoras de deficiência intelectual, estão frequentemente vedadas estas oportunidades, cabendo a outros – pais, familiares, instituições – a necessária tarefa de lhes acautelar o futuro. O drama frequente a que se assiste é o dos pais e familiares que, com o avançar das suas idades, se sentem impotentes e incapazes de assegurar esse mesmo futuro. Caber-nos-á essa responsabilidade.

Celebrar este dia é, por certo, essencialmente celebrar o amor por aqueles que lutam diariamente para superar as barreiras que lhes são impostas. Será esta, pois, uma forma de mostrar que todos merecem ser valorizados, independentemente das suas circunstâncias, e de nos lembrar a todos que as pessoas portadoras de deficiência intelectual são cidadãos de pleno direito e têm muito a contribuir para a sociedade, seja através do seu talento, da sua criatividade ou do seu amor incondicional. Assim lhes sejam dadas oportunidades.

Paulo Jorge Pinto
Professor
Presidente da Direção da ALADI – Associação Lavrense de Apoio ao Diminuído Intelectual