Ora, qual foi a vida de Maria? Foi toda misteriosa; toda a sua beleza é interior. Tudo o que dela sabemos o Evangelho no-lo ensina em muito poucas palavras.(i)
Poucas palavras. Uma vida de testemunho, enraizada numa fé existencial.
Esta é a mulher que nos apresenta o Evangelho, Maria, mãe modelo, toda ela doação ao Filho, e, deste modo, à Humanidade. Reconhece-se aqui o papel de tantas mães que se dão para que outro ser tenha vida, se realize e seja pessoa em toda a sua plenitude.
Como nos diz o evangelho, Maria guardava todas estas coisas, meditando-as.(ii)
Quais eram estas coisas? Eram alegrias e aflições: (…) Meditou-as, isto é, repassou-as com Deus no seu coração. Nada conservou para Si, nada encerrou na solidão nem submergiu na amargura; tudo levou a Deus. Foi assim que guardou. Entregando, guarda-se: não deixando a vida à mercê do medo, do desânimo ou da superstição, não se fechando nem procurando esquecer, mas dialogando tudo com Deus. Olhando para a Mãe, somos encorajados a deixar tantas bagatelas inúteis e reencontrar aquilo que conta. O dom da Mãe, o dom de cada mãe e cada mulher é tão precioso para a Igreja, que é mãe e mulher.(iii)
Quantos silêncios de uma mãe são orgulho ou desalento, são apoio e oração. São silêncios cheios de uma vida interior, cuja riqueza nasce do ser para o outro. O viver silencioso de uma mãe tem o poder de mudar o mundo, pois o seu coração guarda os sofrimentos, as alegrias, os sucessos e as desventuras com a mesma imensidão de ternura.
Quantas vezes ouvimos que a mãe abdica de si, do para si, para entregar ao filho? Mas esta entrega, que contém doação, contém em igual escala muito poder. Um poder que dá vida, que alimenta o coração da mãe, que o realiza, que lhe dá sentido. Esta é a mãe poderosa, que, no dia a dia, nas ações tantas vezes escondidas, tantas vezes entendidas como negação de si mesma, encontra a sua razão de ser Mulher. Que erro pensar que a mãe que dá de si, que se priva, está a esquecer-se de se pôr em primeiro lugar! O amor da mãe pelo filho é um amor único, porque a mãe não se anula, a mãe preenche-se. Assim, dizemos que quem cuida e ama, humaniza-se.
Por isso, o papel social da mãe biológica, da mãe de acolhimento, da mãe cuidadora é inegável. Está profundamente enraizado na matriz social ao longo dos tempos. Hoje, num mundo que ambiciona ser mais humano, como não reconhecer o valor e o papel da mãe, que tudo guarda no coração e, através do amor, transforma em vida o que aparenta ser deserto e sofrimento.
Este é o poder que pode transformar o mundo. Um poder silencioso, mas ativo; um poder sereno, mas arrebatador; um poder que se enraíza no amor.
Importa reconhecer como a ‘voz’ da mãe que ralha, que chora, que sofre, que se desilude, que espera, que se alegra é a ‘voz’ que trabalha de modo resiliente na construção do outro. E esta construção precisa de tempo, de espera, de esperança, de dor, de alegria. Precisa de SER.
Daniela Santos
Mãe e Professora
(i) Jean Gailhac, Béziers, 25 de outubro de 1881 | GS/25/X/81/A*
(ii) Lc 2, 19
(iii) Homilia do Papa Francisco na Solenidade de Maria Santíssima Mãe de Deus, 1 de janeiro 2018